17.2.18

Carnaval

Hoje é dia de Desfile das Campeãs do carnaval do Rio. Às 21h15 a Mangueira abre a noite e o G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti​ será a penúltima escola a desfilar. Vamos acompanhar!

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CARNAVAL NA TVT DESFILE DAS CAMPEÃS

A TVT, em parceria com a TV Brasil (canal aberto e público), transmite #AOVIVO os desfiles das escolas de campeãs do Rio de Janeiro

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16.2.18

A Justiça e o Cativeiro Social

A Justiça e o Cativeiro Social
Quinta-feira, 15 de Fevereiro de 2018

A Justiça e o Cativeiro Social

Foto: Reprodução 

Meu Deus! Meu Deus!

Se eu chorar não leve a mal

Pela luz do candeeiro

Liberte o cativeiro social – refrão do samba vice-campeão do Carnaval Carioca

Como explicar a situação de Jéssica Monteiro, de 24 anos, detida no último dia nove, com 90 gramas de maconha, e de seu bebê recém-nascido, ambos presos numa pequena cela do 8º Distrito Policial, SP, senão pelo viés do racismo?

Em plena madrugada de segunda de carnaval, enquanto o Brasil e o mundo assistiam, impactados ou coléricos, à passagem da Paraíso do Tuiuti pela Marquês de Sapucaí, com o enredo "meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?", chegava ao mundo Henrico.

Henrico – que nasceu "cativo" sem haver lei ou ordem para isso – aguardou com sua mãe enquanto seus destinos eram definidos numa "audiência" de custódia. Audiência essa que – por princípio e lógica – deveria contar com a presença física da custodiada (e, diga-se, o fato de Jéssica ser puérpera deveria ter levado o juiz até ela, mas isso parece inimaginável em nosso sistema)… mas na qual só estavam presentes seu advogado, o juiz e a promotora, grávida.

Ninguém foi empático com Jéssica. E nem é isso que se exige. A promotora, gestante, integra uma classe em que – à imagem e semelhança da magistratura – é esmagadoramente branca[1]. Não acredito que engrosse o coro da turba[2] que andou comentando recente postagem da página do Facebook "Efeitos da Prisonização: a Ineficácia da Prisão como Sanção Penal, que trouxe matéria do CNJ sobre a Projeto de Revisão da Lei de Execuções Penais. Mas talvez pense como uma promotora de justiça do RJ de quem ouvi, certa feita, que jamais seria vista sentada no banco dos réus: lugar reservado para "outra classe de pessoas" (acho que ela quis dizer: "bandidos").

Qual será o destino de Jéssica? Difícil prever. Ela engrossa as estatísticas do perfil da mulher presa no Brasil: em sua maioria, por envolvimento com o tráfico e, além disso, por conta das atividades de seus companheiros.

Mas o de Henrico, bem, sobre meninos negros temos dados mais concretos: são vítimas de um genocídio sobre o qual muita gente se cala.

"O Atlas da Violência 2017, lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública nesta segunda-feira 5, revela que homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no País. A população negra corresponde a maioria (78,9%) dos 10% dos indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios.

Atualmente, de cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. De acordo com informações do Atlas, os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças, já descontado o efeito da idade, escolaridade, do sexo, estado civil e bairro de residência."[4]

A lei que estabeleceu o chamado Marco da Primeira Infância (Lei 13.257, de 08/03/2016), dentre outras medidas, alterou o Código de Processo Penal, possibilitando ao juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar, nos casos de gestantes e mulheres ou homens[5] que sejam responsáveis pelos cuidados com filho até 12 anos, em atenção à "especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano".

A audiência de custódia, seria, assim, a oportunidade de ouro para liberar Jéssica (e seu bebê). E ela e Henrico passariam esse período ímpar no lar, eis que prisão não é local adequado para se manter crianças e só se tolera que as frequentem excepcionalmente, e mesmo assim em nome da manutenção dos vínculos com pai ou mãe presos em cumprimento de pena.

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Há mães proibidas de serem mães?

Parece, em verdade, que o sistema de Justiça não enxergou com bons olhos uma mulher negra presa com 90 gramas de maconha. Gestante, ainda por cima. E talvez por considerá-la um grande perigo à sociedade (desconheço os fundamentos da decisão que negou a liberdade ou a substituição por prisão domiciliar), decidiu mantê-la presa mesmo com as possibilidades de, ao fim do processo, ser inocentada ou, na hipótese de condenação, receber benefício por não ser "traficante habitual", tendo a pena reduzida para menos de 02 anos, substituída por penas alternativas.

É isso: assenhorando-se de seu destino e do de seu rebento, decretou a Justiça que Jéssica e Henrico permanecessem atrás das grades.

Durante 5 anos, de 2007 a 2012, fui responsável, como juíza, pela Unidade Materno-Infantil Madre Teresa de Calcutá, no Complexo Prisional de Gericinó, no Rio de Janeiro. Comparecia mensalmente ali, para audiências em que era definida a guarda dos bebês, que ficavam em alojamento conjunto com as mães, presas, até completarem, no mínimo, 6 (seis) meses de vida.

Passei a flexibilizar (prorrogar) os tais seis meses, que, no início, segundo regras anteriormente estabelecidas, era rígido. E, a certo tempo, propus à equipe que o desligamento dos bebês fosse gradual, para que tivessem a chance de se adaptar à família extensa (normalmente, era quem os recebia).

Conto tudo isso para transmitir o relato da equipe: os bebês, após passarem, por exemplo, um final de semana fora, choravam muito ao retornar para o presídio. E era um presídio com instalações diferenciadas, que pouco lembravam as celas comuns. Mas ainda assim há uma "rotina" no local, que o distingue de uma creche ou enfermaria: guardas armados, revista na porta, algemas para condução das mães para as audiências…

Na época, eu não era a juíza responsável pelos processos das presas nas varas criminais. Mas com muita frequência me perguntava o porquê daquela permanência ali, em tantos casos em que era evidente a possibilidade de cumprimento da pena em outro regime. E, inegavelmente, aquela prisão tinha cor: eram majoritariamente mãe negras com filhos negros.

Penso nos bebês que, nas primeiras horas de vida, lutam pela subsistência, e choram porque têm fome, dor, frio ou calor. E de como uma mulher precisa se desdobrar para lhe dar a atenção e os cuidados de que precisa, num ambiente tranquilo para que possa amamentar e descansar nos momentos possíveis. E penso em Jéssica e Henrico que, além disso tudo, têm que brigar por seu direito de serem livres.

Será que a Justiça não consegue ouvir esse choro, esse clamor?

Como diz o samba da Tuiutí:

"Irmão de olho claro ou da Guiné

Qual será o valor? Pobre artigo de mercado

Senhor eu não tenho a sua fé, e nem tenho a sua cor

Tenho sangue avermelhado

O mesmo que escorre da ferida

Mostra que a vida se lamenta por nós dois

Mas falta em seu peito um coração

Ao me dar escravidão e um prato de feijão com arroz"

Torço que Jéssica e Henrico vão logo para casa. Mas torço mais ainda por uma Justiça com mais coração, que não perpetue os nefastos efeitos da escravidão, que enxergue que a vida se lamenta por todos nós, porque cada prisão representa um fracasso na nossa História, um nó a mais na trança do chicote.

E quem apanha, no fim das contas, é toda a sociedade numa retroalimentação de violências que nunca cessa.


Cristiana Cordeiro é juíza de direito do TJ-RJ desde janeiro de 1998, integrante da Associação Juízes para a Democracia – AJD.


[1] Somente 1% dos juízes são negros.

[2] Lá na postagem, encontram-se pérolas tais como:  "Não compare os escravos negros e os judeus com essa escória assassina e demoníaca. Tanto os escravos quanto os judeus apesar dos maus tratos que receberam, não saíram roubando e matando quando foram libertados". Ou "Pena de morte já. O povo paga pra sustentar vagabundo."

[5] No caso dos homens, se for o único cuidador.




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Carta à Promotora que pediu a prisão da mulher em trabalho de parto

Carta à Promotora que pediu a prisão da mulher em trabalho de parto
Quinta-feira, 15 de Fevereiro de 2018

Carta à Promotora que pediu a prisão da mulher em trabalho de parto

Foto: Reprodução

Eu não conheci V. Exa., quando ainda estava na carreira do Ministério Público, onde fiquei mais de trinta anos; caso tenhamos nos conhecido pessoalmente, perdão pelo lapso.

Li pelos jornais que Vossa Excelência requereu para que fosse mantida presa uma mulher, autuada em flagrante, trazendo consigo, segundo a polícia, noventa gramas de maconha, para fins de tráfico.

Na audiência de custódia, ela se fez representar apenas por seu advogado, uma vez que estava dando a luz em um hospital público da cidade; de lá, em função do pedido feito pelo Ministério Público, representado por Vossa Excelência, e acatado pelo MM Juiz de Direito que presidia o ato, foram a indiciada e seu rebento levados de volta à carceragem. O bebê, bem o sabes, tinha apenas dois dias de vida. As notícias dão conta de que a indiciada era primária e que, além daquele criança, é mãe de uma outra, de três anos de idade.

Leia também: A Justiça e o Cativeiro Social

Escrevo esta carta aberta porque os noticiários deram conta também de um fato significativo: a gravidez de Vossa Excelência. Uma mulher grávida, promotora de justiça, pediu a um juiz de direito que mantivesse presa uma outra mulher, que acabara de parir, levando consigo seu rebento para o cárcere. Admitamos, parece ser enredo de um novela de terror.

Fiquei estarrecido ao ler a notícia. Fiquei pensando como duas mulheres podem ter gestações tão distintas, eis que o fruto de seu ventre, prezada Promotora,  nascerá em uma maternidade de alto padrão e será recepcionado e festejado por parentes e amigos, que lhe darão boas vindas. Sapatinhos, rosas ou azuis, na porta do quarto, avisarão aos visitantes que ali nasceu uma criança linda e saudável, que receberá de todos que a cercam todo amor e conforto.

Nessas maternidades, a segurança é uma obsessão e nada de ruim acontecerá ao rebentos que ali nascerem. É abaixo de zero o risco de alguém estranho, tenha a autoridade que tiver, sair com um dos ocupantes do berçário em seus braços. As enfermeiras são sorridentes e recebem carinhosamente pequenos e merecidos mimos das famílias que acolhem, os médicos são pressurosos e acolhedores.

A suíte onde Vossa Excelência se recuperará do parto tem ar condicionado, TV, rede de wi-fi, a fim de orgulhosas mamães exibam ao mundo o fruto da espera de nove meses. Papais também orgulhosos distribuem charutos e sempre a camisa do time de coração é a primeira foto que mandam para o grupo de amigos. Tudo é felicidade.

No outro lado, o bebê nasceu de uma mulher levada à maternidade algemada, que pariu desacompanhada seu rebento, sem saber e sem ter para onde ir.

Não teve os luxos do nascimento de uma criança de classe média alta e teve que se comportar, haja vista estivesse sob escolta policial, não enfermagem, para atendê-la. Espero que não tenha sido algemada à cama e acabou de ir amamentar seu filho no chão úmido e mofado de uma cadeia pública, onde estava detida, porque não lhe foi reconhecido seu direito à liberdade, seja por Vossa Excelência, seja pelo Juiz de Direito.

Há uma questão, senhora promotora, que supera a questão jurídica.

É assustador imaginar que a senhora não tenha visto naquela criança que nascia um pouco de sua criança que traz em seu ventre.

É assustador imaginar que a senhora, justamente por se encontrar grávida, não tenha visto, com os olhos da alma, o terror de uma mulher amamentar o filho que acabara de nascer, num pedaço de espuma, entre cobertores velhos, num chão batido de uma cela infecta. Não posso crer que esse momento lhe tenha também passado despercebido.

Não posso imaginar que alguém possa trazer consigo tanta ausência de compaixão humana que tenha se permitido participar de uma situação, cuja insensibilidade me traz as piores e mais amargas lembranças da História.

Nas leituras que seu bom médico deve ter sugerido durante sua gestação, certamente, alguma coisa existe – não é autoajuda – no sentido de demonstrar que os primeiros momentos de vida de um ser humano são cruciantes e que poderão ter consequências para o resto de sua vida.

Gente muito melhor do que qualquer jurista concurseiro que lhe tenha dado milhares de dicas, disse isso: Freud, Melanie Klein, John Bowlby. Procure saber deles, que diriam certamente que teria sido menos desumano que a senhora e o juiz que acolheu seu infeliz pedido atirassem na mãe. A senhora, fique certa, contribuiu para uma enorme dor que essa criança haverá de carregar por toda a vida. O terror da mãe transmitiu-se ao filho, não sabia?

Enquanto a senhora há de amamentar teu filho ou tua filha em todas as condições de conforto e segurança, livre do medo, livre do pavor de alguém apartá-la da cria, sem o terror de ver grades de ferro à frente, ela ficou com todos os pavores internalizados. Enquanto a senhora há de desfrutar justa licença-maternidade, em que poderá se dedicar exclusivamente a apresentar o mundo ao doce e bem-vindo recém chegado filho ou filha, ela estará a dizer a seu filho que ele nasceu na cadeia, nasceu preso, nasceu atrás de grades, nasceu encarcerado.

Seria duríssimo, mas inevitável se a falta cometida fosse de tamanha gravidade que não se acenasse ao horizonte uma solução menos gravosa. Mas, haveria de ser do conhecimento de Vossa Excelência, como deve ser do Magistrado, que o STF de há muito pacificou essa questão e essa mulher terá direito a penas restritivas. Isto é, jamais poderia ter permanecido presa, pela singela razão de ter o direito de ser posta em liberdade.

É o que diz a Constituição Federal: ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança, no art. 5º, inciso LVI.

A senhora e seu Magistrado agiram com abuso de direito, percebe?

Permito-me dizer que aprendi, dentro do Ministério Público, que não se pode fazer Justiça sem compaixão, sem amor pelo próximo, sem respeito pelas pessoas. Caso se caia nessa cilada, somente se produzirá terror, como esse que a senhora produziu. A Justiça Criminal, cara ex-colega promotora, se mede a partir do direito de liberdade.

Aliás, quem diz maravilhosamente sobre isso é também um ex-integrante do MPSP, Ministro Celso de Mello. Sugiro que a senhora procure ler e estudar um pouco mais, um pouco além desses manuais catastrofistas que colocam os promotores e juízes como agentes de segurança pública, algo que nunca foram e nunca serão. Leia mais humanistas, é evidente a falta que lhe fazem.

Vossa Excelência, quando voltavas para casa, uma lágrima por aquela criança nascida na cadeia, chegou derramar?

Pela mãe abusivamente presa, em algum momento, chegou a ver na barriga dela a mesma barriga que é a sua? Em algum momento dessa tua vida, conseguiu pensar que aquela mulher lhe é igual em tudo? Que o fruto de vosso ventre nascerá como nasceu o dela? Que amamentará seu filho como ela amamentou o dela? Que mecanismo mental foi esse que quebrou uma identificação que haveria de ser imediata?

Onde, enfim, Vossa Excelência deixou a humanidade que deve legar a seu filho?

Com respeito,

Roberto Tardelli, Advogado e Procurador de Justiça Aposentado. 




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