Sirvam nossas façanhas...
Setembro apresenta duas datas carregadas de simbologia para nós. Diz à história, aquela contada nos livros, que no dia 07 de Setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga, D. Pedro I proclamou a Independência do Brasil, cortou os laços que nos prendiam a Portugal, mas para consumo interno manteve a escravidão e a estrutura fundiária continuou beneficiando a elite agrária do país. Portugal 'aceitou' a Independência depois do pagamento de dois milhões de libras esterlinas conseguidas através de empréstimo junto à Inglaterra. Independência estranha essa porque D. Pedro I depois que deixou o trono de Imperador do Brasil foi por um pequeno período rei de Portugal.
Independência que ainda não se completou porque as desigualdades sociais estão aí a nos desafiar, a reforma agrária não sai, algumas empresas detêm o monopólio das sementes surgidas neste chão, escolhem o que, como e onde plantar. Temos uma casta de políticos atrelados a grupos internacionais e com atitudes de subserviência que enoja. Temos multinacionais com os seus testa de ferro que a todo o momento criam obstáculos para que a dependência continue. Hoje até temos os tais de bilhões de dólares (não mais libras esterlinas) de reservas cambiais e emprestamos dinheiro por aí, mas querem 'cuidar' da Amazônia por nós, querem o pré-sal e outras coisinhas mais...
Outra data significativa é 20 de Setembro, culto a 'tradição', ao mito, a bravura de um povo que costuma dizer que é brasileiro por opção. Além de valorizarmos a boa e farta comida, a música, o chimarrão, achamo-nos diferentes do restante do país, culturalmente superiores, politicamente os mais corretos e ainda lembramos a todos que 'no meu pala ninguém pisa' e num passado mais distante ainda gritaram 'esta terra tem dono'. Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra de peito estufado e queixo erguido.
Como a data de 20 de Setembro é nutrida pelo saudosismo acho que foi por isso que destruíram recentemente (maio de 2009) o monumento a Sepé Tiaraju, para mostrar quem é que manda por aqui, que esta terra tem dono e não servirá para reforma agrária nenhuma, nem que para isso tenham que derrubar um a um a tiro de espingarda calibre 12 cada Elton Brum da Silva que pise nestas terras que deixaram de dar lucro, mas não poder (quantos puxaram o gatilho desta espingarda?). Criaram as escolas feitas de módulos metálicos habitáveis (containeres) e negam aplicar na Educação o que a lei determina para mostrar como educar bem as nossas crianças nas adversidades. Mostram que muitos de nossos políticos defendem a ética de forma diferenciada depende da posição geográfica onde os fatos acontecem. Temos políticos que não precisam de cuecas, transparecem a sua decência gaudéria com dinheiro sendo transportadas em míseras sacolas plásticas que é para mostrar um profundo desapego ao vil metal e o dinheiro que carregam é para doações de cunho filantrópico. Criticam a escolha, em outros estados, de políticos folclóricos e não percebem que a mesma coisa acontece por aqui e toda a semana para não falar todos os dias, chamuscadas atingem a vida política do Rio Grande. Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra em uníssono e olhos marejados.
Talvez por estes e outros fatos que colocam o nosso estado neste início do século 21 de forma 'esgualepada' -para usar um termo de ocasião- é que fazem com que busquem valorizar cada vez mais este mito do tradicionalismo, porque como dizem os estudiosos, o mito opera uma ponte entre o passado e o futuro, um passado com a visão das estâncias (de poucos donos, diga-se de passagem) e um futuro iluminado e glorioso. Não convém falar do presente por ser perigoso, porque as questões cidadãs, do dia a dia comprometem, exigem posicionamentos e as pessoas aparecem como elas são realmente. Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra e nenhum pudor surge no rosto desta gente.
E por falar em história, a contada nos livros, o dia 20 de Setembro de 1835 é a data em que planejavam destituir o presidente da província do Rio Grande, mas deu errado e a tomada de Porto Alegre aconteceu um dia depois. Fazer o que se as façanhas não acontecem como a gente planeja?
José Antonio Somensi (Zeca)
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